Bósnia-Herzegovina: a singularidade da Europa, parte IV  

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(...continuação)

Porém, para muitos Bosniaks, o acordo de Dayton é uma bomba-relógio. Por ele, a independência Bósnia ficou garantida e reconhecida, mas o país foi dividido em duas unidades autônomas: Federação Croata-Muçulmana (51 % do território) e República Sérvia Sprska (49 %, a leste). Para muitos, é só uma questao de tempo até que os bósnio-sérvios de Sprska queiram se separar e, agora já em um território de ampla maioria Sérvia graças a recente limpeza étnica, serem anexados pela vizinha Sérvia. Ao que parece, as escolas em Sprska ensinam às crianças que elas são Sérvias em vez de Bósnias; num breve futuro, fica fácil atiçar o nacionalismo destas novas gerações em reclamar como ´seu` este território. Quando eu estava em Sarajevo, inclusive, houve muito protesto pelo fato de em uma visita de Estado o presidente Sérvio se dirigir ao líder de Sprska em vez de ao líder Bósnio.

A multiétnica Bósnia passou a ter um governo tripartite em que os cargos de presidente, chefe do parlamento, e primeiro ministro são revezados entre sérvios, croatas e bosniaks; o número de cadeiras no parlamento e em qualquer outra instituição oficial é sempre dividido em três partes iguais. A composição e a distribuição geográfica das três etnias foi drasticamente alterada depois da guerra; embora um censo oficial deva ocorrer apenas em 2011, estima-se que a população total do país tenha decrescido em cerca de 10 %, para atuais 3.9 milhões, enquanto a capital Sarajevo tenha perdido um terço de seus habitantes, com uma parcela dos remanescentes Bósnio-Sérvios tendo se deslocado para o lado leste da cidade, em solo da atual Sprska.

Com toda sua história moldada à ferro e fogo na fronteira de civilações (entre Roma Oriental e Ocidental, Bizâncio e Veneza, Otomanos e Áustro-Húngaros, além de Comunistas e Nazistas) os Bósnios (Bosniaks ou não), acostumados e orgulhosos de sua multietnicidade, não compreendem a necessidade que parcela dos descendentes de seus vizinhos sente em ser parte de um país ´puro`. Pois foi justamente por querer vivenciar o dia-a-dia destes Bósnios não-puristas que quis passar uma semana inteira em Sarajevo, cidade que passou pelo cerco mais brutal da história da guerra moderna. Fiquei neste albergue aqui, da família do literalmente grande Skender, jovem cujos pais também participaram na resistência da cidade. Fica aqui a propaganda da completa HP que ele mesmo criou, divulgando a cidade e o país que tanto ama; para maiores detalhes do cerco, leia seu texto aqui.

Com Skender, além de esclarecer muita coisa, fiz uma tour pelo chamado Túnel da Esperança, durante boa parte do cerco o único ponto de acesso à cidade citiada, que hoje abriga um pequeno museu-memorial; eu lembrava ter visto na TV uma senhora sob seu véu que corajosamente fornecia água a todos (civis e militares) que saíam do túnel, pois o mesmo começava em sua casa. Super interessado na resistência de seu povo, queria saber mais detalhes de como uma cidade sitiada por tanto tempo, sob tanto terror, totalmente desarmada e quase sem exército, conseguiu construir o que para mim é a história de resistência mais bonita de nossos tempos.

(continua...)

This entry was posted on segunda-feira, julho 19, 2010 at 5:35 PM and is filed under . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

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