Bósnia-Herzegovina: a singularidade da Europa, parte III  

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(...continuação)

Foi sob Tito, com a constituição da República Socialista Iugoslava em 1946, que Bósnia e Croácia foram novamente separadas, e o status de República concedido a cada uma das seis nações Iugoslavas. De fato, foi graças a Tito que os Bosniaks não se tornaram apenas assimilados entre os vizinhos (ou exterminados por eles), e a Federação Iugoslava conseguiu desenvolver seu caráter multicultural por meio século, mantendo e reconhecendo igualmente cultura, religião, linguagem, e alfabeto de suas seis nações. A autonomia Iugoslava era tanta que Tito recusou-se a continuar recebendo apoio da Rússia, tornando-se um dos fundadores do Movimento dos Não-Alinhados, comunidade de países que decidiram não se alinhar a nenhum dos lados da Guerra Fria que emergiu depois da segunda grande guerra.

Com Tito, os sentimentos nacionalistas internos ficaram apaziguados, e a Iugoslávia se consolidou como importante nação européia, com Sarajevo chegando a sediar as Olimpíadas de Inverno em 1984; seu reconhecimento internacional era tanto que chefes de 128 países atenderam seu funeral, em 1980. Com a morte de Tito, o nacionalismo voltou a ganhar força dentre as seis repúblicas, pegando carona no colapso do Comunismo em 1989-1990. Com a dissolução da Iugoslávia em 91, os Sérvios se acharam seus legítimos herdeiros (de fato, herdaram todo o poderio militar) e decidiram formar sua Grande Sérvia, anexando todos os territórios vizinhos com população Sérvia por quaisquer meios. Um líder ultra-nacionalista, Milosevic, cuja carreira política se fizera em Kosovo, conseguiu excitar e canalizar essa idéia dentre boa parte da população sérvia e bósnio-sérvia. É inclusive sabido que acadêmicos faziam a defesa dessa idéia aos militares, para justificá-la e eximi-los de qualquer sentimento de culpa por suas ações brutais.

A Eslovênia foi a primeira a proclamar independência, em 1991, sem encontrar muita resistência. Também em 91 a Croácia fez o mesmo; porém, por possuir razoável população Sérvia, é invadida; milhares de mortos e deslocados depois, parte das terras Croatas ficam sob domínio Sérvio até 1995. Em 1992 a Macedônia, junto com a Bósnia as mais pobres das ex-repúblicas, se desliga sem muita represália, assim como ocorre com Montenegro apenas em 2006, que sempre fora o fiel aliado Sérvio. Também em 92, a Bósnia-Herzegovina vota pela independência: bosniaks (44 % da população) e bósnio-croatas (17 %) votam a favor, bósnio-sérvios (31 %) boicotam. É o início do pior pesadelo europeu desde a segunda guerra: a guerra civil explode em solo Bósnio.

Com suporte da Sérvia e de seu poderio militar, os bósnio-sérvios liderados por Karadzic e Mladic proclamam a República Srpska, no leste Bósnio, praticam limpeza étnica, matam e expulsam Bosniaks, colocam homens em campos de concentração e mulheres e crianças em campos de detenção onde são sistematicamente estupradas, e chegam até a capital Sarajevo. Ainda em 92, depois de atacados pela Sérvia, os croatas de Tudman, pelo lado oeste, também invadem a Bósnia e reinvidicam parte do país. Os Bosniaks ficam completamente largados à própria sorte, totalmente sem defesa; foi só no começo de 95 que a Croácia muda de lado (provavelmente ao perceber que ela seria a próxima vítima da Grande Sérvia), recupera seu terreno perdido para a Sérvia em 92, e se junta em solo Bósnio aos Bosniaks contra os sérvios.

Depois de 4 anos de carnificina, culminando nos massacres de Sbrenica (9000 bosniaks exterminados no primeiro genocídio legalmente reconhecido desde o Holocausto) e do mercado Markale em Sarajevo, a Otan finamente se decidiu por medidas militares contra a Sérvia (até então ela e ONU forneceram apenas ajuda humanitária aos Bósnios e imporam sanções aos Sérvios), o que acabou forçando Milosevic a assinar o acordo de paz de Dayton no final de 95. Com ele, depois de quase 200 mil bosniaks mortos, a maioria civis, e de quase 2 milhões de deslocados dentre as 3 etnias pelos Balcans, os sonhos da Grande Sérvia foram enterrados e mais tarde Milosevic e demais açougueiros Sérvios iriam parar no circo do Tribunal Internacional, por genocídio e crimes contra a Humanidade.

(continua...)

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