Sérvia, antes e depois de seu nacionalismo assassino  

Posted by carlos in

Com o ônibus de Sarajevo, deixei a Bósnia e vim a Belgrado, capital Sérvia. É até visível no caminho, conforme atravessamos a entidade Sprska, como as coisas já se tornam mais ´servianizadas`; o cirílico se torna o alfabeto dominante na estrada, e fica difícil achar traços mais islâmicos nos povoados que cruzamos. A paisagem muda também; do litoral Croata até pouco após Sarajevo, as montanhas balcânicas ditam o visual; conforme chegamos ao interior da península, as coisas ficam mais planas. Já em solo Sérvio, a pista passa por várias enormes instalações industriais da ex-Iugoslávia, completamente abandonadas à ferrugem.

Um fato que me perturbou muito foi ter que tirar um visto em Sarajevo para poder entrar na Sérvia, o único país (além da Rússia e seus vizinhos mais próximos) que o exige para um Brasileiro. Tudo bem, consegui no mesmo dia, por uns 25 euros; mas ter que pagar para ver o país que infligiu tanto terror em solo Bósnio não me deixou contente. Mas havia me prometido que não entraria em nenhum país com pré-conceitos, não projetando em toda a população os atos covardes de uma elite minoritária. Há de se lembrar as gigantescas manifestações feitas por lá contra Milosevic, até sua deposição em 2000, motivadas pelo seu ultra-militarismo e pelas dificuldades econômicas que o povo passava graças ao isolacionamento internacional do país. Com sua deposição, o isolamento terminou e aos poucos os Sérvios tentam se reintegrar à Europa. Conheci apenas Belgrado e, sinceramente, embora o dinar seja uma das moedas mais desvalorizadas do continente depois da hiperinflação que viveram, não percebi grandes sofrimentos ou carências no dia-a-dia, muito pelo contrário.

Um pouco de história. Depois de milenares culturas pré-históricas (Vinca, Trácia, Ilíria), as fronteiras Gregas se estenderam até o sul da atual Sérvia no século IV AC; os Celtas a povoaram no século III AC e fundaram o que viria a se tornar a cidade de Belgrado. Roma a conquistou no século I AC, e a atual Sérvia se estende por várias antigas províncias Romanas, como Dácia, Dalmácia, e Macedônia; vários imperadores Romanos nasceram naquela região, como Constantino I, que lançou o Edito de Milão, a partir do qual os Cristãos não deveriam ser mais perseguidos.

Os Sérvios e demais Eslavos chegaram a área no século VI, e se livraram dos poderes de Bizâncio e Bulgária ao redor de 850, sendo cristianizados logo após. Nos séculos seguintes, o controle de suas terras ficou por diversas vezes em mãos Bizantinas e depois Otomanas, com intervalos nos quais monarcas Sérvios imperaram. O Império Sérvio foi proclamado em 1346 por Dusan, época em que atingiu seu apogeu. Depois da queda de Constantinopla aos Otomanos e do cerco a Belgrado, a cidade foi finalmente tomada em 1521, quando conversões ao Islã se iniciaram principalmente no sul do país, em Kosovo.

Com a chegada dos Austro-Húngaros, o norte do país (Vojvodina) foi tomado pelos Habsburgos, o que causou uma onda migratória de Sérvios fugidios do sul Otomano. O século XIX viu diversas revoltas por independência, a inicial se dando entre 1804-1815, liderada por Petrovic. No transcorrer do século, o então Principado se aliou aos vizinhos Habsburgos ao norte; em 1867 o exército Otomano terminou sua retirada, e a independência Sérvia foi reconhecida em 1878. Após tornar-se um reino com sua própria dinastia em 1882, o Reino Sérvio triplicou seu território nas guerras Balcânicas de 1912-1913, readquirindo parte da Macedônia e Montenegro, além de Kosovo, e depois reanexando Vojvodina em 1918, com a derrota dos Habsburgos na primeira guerra.

Para detalhes desde a primeira guerra mundial até a carnificina nos balcans nos anos 90, veja os posts anteriores sobre a Bósnia. É de se ressaltar que os Sérvios sempre foram contra a decentralização de poder que Tito patrocinava na ex-Iugoslávia, desde reconhecer a Bósnia e uma nacionalidade Iugoslava Muçulmana até dar maior autonomia a regiões como Kosovo e Vojvodina. Com o fim da Iugoslávia e o desejo de independência de suas ex-repúblicas, Milosevic surgiu nesse seio, em Kosovo, com a idéia de formar a Grande Sérvia. A Bosnia foi vítima de sua campanha genocida, que mais tarde tentou repetir em Kosovo; no último caso, a reação internacional foi imediata, Belgrado foi levemente bombardeada, e Kosovo sofreu menos; os Bósnios ainda se perguntam porque tiveram que sofrer por quatro anos.

Depois deste pouco de história, voltemos a Belgrado.

This entry was posted on terça-feira, julho 20, 2010 at 11:51 AM and is filed under . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

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